LEI Nº. 2586/1989 (vetada)

 

Institui a obrigatoriedade de constar em todos os impressos da Administração Pública Municipal inscrição "DEUS SEJA LOUVADO".

 

 A CÂMARA MUNICIPAL DE JACAREÍ APROVA E O SR. OSVALDO DA SILVA AROUCA, PREFEITO MUNICIPAL, SANCIONA E PROMULGA A SEGUINTE LEI:

 

Art. 1º Fica instituída a obrigatoriedade de constar em todos os impressos da Administração Pública Municipal, da Câmara Municipal, incluídas as Autarquias e Fundações, a inscrição “Deus Seja Louvado”.

 

Art. 2º A inscrição “Deus Seja Louvado” deverá ser impressa à margem esquerda do papel, embaixo do brasão do Município.

 

Art. 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

 

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

 

Prefeitura Municipal de Jacareí.

 

OSVALDO DA SILVA AROUCA

PREFEITO MUNICIPAL

 

 

 


OFÍCIO Nº. 479/89/GP

 

Jacareí, 29 de março de 1989.

 

Senhor Presidente,

 

Incluso encaminhamos a Vossa Excelência as razões do VETO TOTAL ao projeto de lei de autoria do nobre Vereador Helcias Nogueira Paranaguá (“lei 2.586”), para os devidos fins.

 

No ensejo apresentamos os protestos de consideração e apreço.

 

OSVALDO DA SILVA AROUCA

PREFEITO MUNICIPAL

 

A S. Exa. o Sr.

JOSÉ CHRISTÓVÃO AROUCA

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de JACAREÍ-SP

 

 


JUSTIFICATIVA DE VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI DE INICIATIVA DO VEREADOR HELCIAS NOGUEIRA PARANAGUÁ (Lei nº. 2.586), QUE "INSTITUI A OBRIGATORIEDADE DE CONSTAR EM TODOS OS IMPRESSOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL A INSCRIÇÃO "DEUS SEJA LOUVADO"

 

Senhor Presidente,

 

Cumprindo disposições legais, tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do artigo 30 da Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar Estadual 09 de 31 de dezembro de 1969), sou compelido a VETAR TOTALMENTE o Projeto de Lei de autoria do Nobre Vereador HELCIAS NOGUEIRA PARANAGUÁ (processo 005, de 03.02.89), aprovado por essa Egrégia Casa Legislativa, ao qual foi atribuído o número de lei 2.586, conforme oficio 046/89-CMP, pelos motivos seguintes.

 

Embora reconhecendo o intuito do nobre Edil, não podemos concordar com sua pretensão, quando deseja impor, através de lei, um comportamento nitidamente religioso.

 

Dispõe a vigente Constituição da República Federativa do Brasil, por seu artigo 59, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias (inciso VI).

 

Nota-se, por estas disposições constitucionais, ter sido suprema vontade estabelecer, antes de tudo, um direito individual de qualquer cidadão a ver respeitada sua liberdade de crença, ou não, e bem assim de ver assegurada o exercício do ofício religioso, protegido os locais de sua cultuação.

 

Tanto assim é que a própria Constituição Federal assegura, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva havendo, neste caso, na conformidade das normas complementares que venham a ser editadas, um dever do ministério religioso. Não será, contudo, o caso da Administração Municipal.

 

Dentre os princípios que direcionam a Administração Pública estão os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, não estando incluído o da religiosidade. Este é assegurado, como já esclarecido, individualmente, para mútuo respeito.

 

Até mesmo a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos somente poderão ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, não exigindo o § do art. 37 da Constituição Federal, o caráter religioso.

 

De conformidade com a Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo, o Governo Municipal é exercido pela Câmara de Vereadores e pelo Prefeito, competindo ao Município prover a tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse e ao bem-estar de sua população. Entretanto, as funções de governar não se confundem com as de administrar. A própria Constituição Estadual nos dá conta de que são órgãos do governo municipal, independentes e harmônicos entre si, o Prefeito com funções executivas e a Câmara municipal, com funções legislativas.

 

Ainda com referência à Lei Orgânica mencionada, dispõe ela que à Câmara compete, privativamente, dentre outras atribuições, a de organizar os seus serviços administrativos. Verifica-se, pois, não poder o Chefe do Executivo intrometer-se nos serviços internos da Câmara (art. 25, inciso III). A ela, tão somente, cabe disciplinar a forma e conteúdo de seus impressos. O mesmo tratamento isonômico deve ser dispensado aos demais órgãos da Administração Pública Municipal.

 

A pretensão se apresenta como interferência do Legislativo nas atribuições peculiares do Executivo. A propositura não pretende seja a expressão inserida apenas nos envelopes, a título de mensagem, mas em todo e qualquer impresso como ofícios, guias de recolhimento, recibos, certidões, alvarás, contratos, convênios, etc., incluindo todo e qualquer documento oficial que venha a pertencer aos munícipes, a que, de certa forma, agride direito de terceiros.

 

 É ínsita da competência do Chefe do Executivo estabelecer a forma de seus serviços administrativos, dando o conteúdo de seus impressos, observadas as disposições legais.

 

Lembramos que o Município é proibido permitir ou fazer uso de estabelecimento gráfico, jornal, estação de rádio, televisão, serviço de alto-falante ou qualquer outro meio de comunicação de sua propriedade, para propaganda político-partidária ou fins estranhos à Administração. O serviço religioso não é próprio da Administração, sendo a divulgação da fé ofício das entidades religiosas. Outra conseqüência não trará o projeto de lei senão impor à Administração Municipal, direta e indireta, uma obrigatoriedade de difundir a crença, fins a ela estranhos.

 

Ademais, se concordância houver, julgamos possam todos os Vereadores pretender (ou até mesmo a população, dada a possibilidade de sua participação direta no processo legislativo) inserir nos impressos municipais qualquer mensagem, lema ou "slogan". E se todos os vereadores tiverem esse intuito?

 

Afora os aspectos constitucionais, legais e de interesse público, Permitimo-nos abordar o filosófico, apenas para argumentar.

 

Nossa formação cristã impede acolhimento à propositura. Os princípios religiosos recebidos desde tenra idade nos convencem de que a inserção nos impressos da Administração Pública Municipal da expressão "DEUS SEJA LOUVADO" seria invocar seu Santo Nome em vão.

 

A rotina de trabalho, a tramitação generalizada de papéis, banalizaria o uso da expressão, não dando ensejo ao respeito que se deve ter todas as vezes que se invocar a Divindade do Criador. Louvar a Deus por obrigação, não é louvá-lo.

 

SÃO MATHEUS, no sermão da Montanha, quando alude à oração diz:

 

"E quando orares, não sejas como os hipócritas que se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e ás esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens.
 
Em verdade vos digo que já receberam seu galardão.
 
Mas tu, quando orares, entra no teu aposento, e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em oculto, e teu Pai, que vê secretamente, te recompensará.
 
E, orando, não useis palavras vãs, como os gentios, que pensam que Por muito falarem serão ouvidos".

 

Não é colocando a expressão “Deus seja louvado” em todos os impressos que se revigorará a fé.

 

Por analogia ao texto bíblico poderíamos afirmar que não é por muito ler que se estará realmente louvando a Deus.

 

Se é verdade, como diz o Nobre Vereador, que a quase totalidade da população cultiva a fé em Deus e os valores espirituais e morais dela decorrentes, não teríamos em tamanha proporção os graves problemas sociais e morais da atualidade.

 

Louvar a Deus, na nossa opinião, significa buscar a reforma interior para fazer a vontade de Deus.

 

Como bem diz o evangelista:

 

"NEM TODO O QUE ME DIZ SENHOR; ENTRARÁ NO REINO DOS CÉUS MAS AQUELE QUE FAZ A VONTADE DE MEU PAI, QUE ESTA NOS CÉUS".

 

Religiosidade é uma busca pessoal e não simples exteriorização.

 

Interrogado acerca do pagamento de tributos Jesus respondeu:

 

"DAI A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR, E À DEUS O QUE É DE DEUS".

 

Ao usar rotineiramente o nome de Deus não estaremos dando a "DEUS O QUE É DE DEUS" mas tornando vão o seu Santo nome.

 

Por tais motivos, com fundamento nas disposições da Constituição Federal e da Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo e ainda pelo próprio respeito e temor à Deus, ausente o interesse público, sou compelido a VETAR TOTALMENTE o projeto de lei em referência.

 

Expostos, nestes termos, as razões que fundamentam o veto, restituo a matéria ao reexame dessa Nobre Casa de Leis.

 

Renovo a Vossa Excelência os protestos de estima e consideração.

 

Gabinete do Prefeito, 28 de março de 1989.

 

OSVALDO DA SILVA AROUCA

PREFEITO MUNICIPAL

 

Este texto não substitui o original publicado e arquivado na Prefeitura Municipal de Jacareí.